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terça-feira, 6 de junho de 2017

Artigo: Se nada der certo...

João Paulo Vani[1] 

A Internet é um campo incrível. Nunca se sabe quando os algoritmos que trabalham por trás dos navegadores nos presentearão com alguma novidade já velha, ferozmente difundida nas redes sociais. No momento, por exemplo, o “menu de indignações” oferece o “recreio temático” ocorrido em 2015 por um colégio de Porto Alegre. O colégio é parte integrante da uma rede educacional, presente do ensino básico ao ensino superior.

Após a repercussão negativa nas redes sociais, o colégio emitiu nota de esclarecimento na qual faz o mea culpa e oferece suas “sinceras desculpas” à sociedade. “Essa questão seguirá em discussão com os nossos estudantes, pois entendemos que o diálogo é sempre o melhor caminho para o aprendizado”, diz a nota, que ainda revela que as fotos foram apagadas para “preservar a imagem dos ex-alunos”.

Se você não viu as imagens do momento de descontração entre os alunos do colégio, no qual, fantasiados de fracassados, sorriem para as lentes dos colegas. Tais fantasias, seguem a proposta temática, na qual entende-se que, se nada der certo, e eu me tornar um fracassado no futuro, ainda poderei ser: gari, atendente do McDonald’s, diarista, cozinheira e até militante de partido político. Puxa, que horror!

Ora, seria muita hipocrisia se não assumíssemos, enquanto sociedade, que esses jovens de classe média alta do Rio Grande do Sul, cujos pais devem ter desembolsado algo em torno de dois salários mínimos mensais nas expensas do colégio, são um reflexo do que vêm, ouvem, lêem – ou deixam de ler. Eu, neto de uma emprega doméstica que abandonou as funções ao se casar, me sinto pessoalmente ofendido, mas não é nenhuma novidade que a sociedade perceba as profissões que não exigem diploma universitário como secundárias, mesmo que nos dias atuais muitos portadores de diplomas de cursos técnicos ou profissionais “práticos” tenham condição financeira mais confortável que muitos graduados por aí. O preconceito se perpetua devido ao fato de que a manutenção do status e da vida de fantasia, do ego inflado por um título não passa necessariamente pelo sucesso, seja ele financeiro ou não.

Saber que os jovens porto-alegrenses se fantasiaram de garis, me remete ao estudo desenvolvido pelo professor Fernando Braga da Costa, que em seu espetacular trabalho trata da invisibilidade pública. Tendo defendido sua tese de doutoramento em 2008 no Instituto de Psicologia da USP, Braga da Costa aborda o fenômeno da invisibilidade pública como sendo uma “espécie de desaparecimento psicossocial de um homem no meio de outros homens”. E o autor continua: “Bater o ponto, vestir o uniforme, executar trabalhos essencialmente simples, estar sujeito a repreensões mesmo sem motivo, transportar-se diariamente em cima da caçamba de caminhonetes ou caminhões em meio às ferramentas ou lixo, são as tarefas delineadoras do trabalho daqueles homens”. Sim, homem-ferramenta-lixo, tudo no mesmo espaço, quase que como uma coisa só.

Como se pode ver, a questão é mais séria, antiga e enraizada do que o oba-oba de crianças mimadas protegidas pelos muros do colégio em um recreio à fantasia, ou em uma nota de esclarecimento que busca a preservação dos seus, mas não os preserva, e que nada esclarece.

Que a partir desse episódio novo-velho possamos refletir sobre os papéis que desempenhamos na sociedade, sem hipocrisia ou falso moralismo e, quem sabe, com alguma sorte, possamos alcançar, de uma vez por todas, o entendimento de que dignidade, moral e ética em nada se relacionam com carreiras ou títulos, relacionam-se com indivíduos.

[1] Presidente da Academia Brasileira de Escritores. Aluno de doutorado do Programa de Pós-graduação em Letras da Unesp/SJRio Preto, é atualmente pesquisador visitante na University of Louisville, nos Estados Unidos.

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