Estudo aponta que Estratégia de Saúde da Família gerou uma redução duas vezes maior na mortalidade evitável das populações autodeclaradas negras ou pardas.
Quase 130 após a abolição da escravidão no Brasil, a desigualdade racial continua estruturalmente enraizada no país. O índice de mortalidade por condições sensíveis à atenção primária (mortes evitáveis) é entre 17% e 23% maior em brasileiros que se autodeclaram negros ou pardos. Entretanto, a expansão da atenção primária possui um papel importante na redução de iniquidades sociais em saúde e pode ajudar a reverter estes números.
Estes são alguns dos resultados apontados no estudo “Association between expansion of primary healthcare and racial inequalities in mortality amenable to primary care in Brazil: a national longitudinal analysis”, publicado nesta terça-feira, 30, no influente periódico científico de acesso aberto PLoS Medicine.
Ao analisar o impacto da expansão do programa Estratégia de Saúde da Família (ESF) no período de 2000 a 2013, os pesquisadores identificaram uma redução duas vezes maior na mortalidade evitável nas populações autodeclaradas negras ou pardas quando comparada com populações brancas. Ainda que a expansão da ESF tenha sido associada a uma redução de 6,8% na mortalidade por Condições Sensíveis à Atenção Primária entre pessoas brancas, a redução entre negros e pardos foi de 15,4%.
O trabalho foi liderado pelos pesquisadores do Imperial College London Thomas Hone e Christopher Millet em colaboração com os pesquisadores do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz) Davide Rasella e Mauricio Barreto. Para chegar a tais conclusões, o estudo utilizou modelagem estatística a partir de dados de 1.622 municípios brasileiros, selecionados segundo registros adequados de estatísticas vitais.
O estudo realça a relação pouca estudada, especialmente em países de baixa e média renda, entre a expansão da rede de saúde primária e as iniquidades em saúde, incluindo a racial. As evidências encontradas ainda reforçam estudos anteriores que demonstram que há uma associação entre a expansão da atenção primária e a redução da mortalidade evitável.
Os autores ressaltam a necessidade de expansão e consolidação da Estratégia de Saúde da Família em municípios mais pobres e menores, em áreas rurais e periferias urbanas onde residem populações socialmente vulneráveis, a fim de reduzir significativamente as iniquidades em saúde e assegurar o cumprimento do 10º Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS).
“A possibilidade de redução de gastos para a saúde e para as políticas sociais pode ter efeitos danosos e reverter as tendências consistentes de melhoria dos padrões de saúde da nossa população”, afirma o coordenador do Cidacs e um dos colaboradores do estudo, Mauricio Barreto, em referência a políticas de austeridade adotadas recentemente pelo governo federal do Brasil.
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