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quinta-feira, 23 de março de 2023

Fundação Pierre Verger lança exposição ‘Herança do Pai’, de fotógrafo baiano


Durante toda a infância, até os 19 anos, João Machado viveu no mês de agosto a expectativa da viagem de ida e de volta do pai, na carroceria de um caminhão de romeiros, de Xique-Xique a Bom Jesus da Lapa, cidades da margem direita do Rio São Francisco, no Oeste da Bahia. Somente em 2002, aos 31 anos, já como fotógrafo profissional, foi pela primeira vez A Bom Jesus da Lapa e passou a repetir desde então o mesmo percurso, sempre a registrar simbolicamente a presença do pai, numa espécie de busca de uma herança afetiva.


A partir do dia 30 de março, às 18h, João Machado vai reunir pela primeira vez esse trabalho de duas décadas, na exposição Herança do Pai, que dá sequência ao projeto 16 Ensaios Baianos, da Fundação Pierre Verger Galeria, na Rua da Misericórdia, Centro Histórico de Salvador. O projeto 16 Ensaios Baianos tem apoio financeiro do Governo do Estado, através do Fundo de Cultura, Secretaria da Fazenda e Secretaria de Cultura da Bahia.



Esta é a segunda exposição do projeto. As 23 imagens da exposição e as demais que vão integrar o catálogo foram escolhidas pelos fotógrafos Célia Aguiar e Paulo Coqueiro e pelo coordenador cultural da Fundação Pierre Verger, Alex Baradel, numa curadoria coletiva.


Alex Baradel chama atenção sobre a originalidade do olhar de João Machado para a romaria da Lapa, um assunto bastante fotografado. “A gente conseguiu selecionar fotos que vão nesse sentido do trabalho dele, de não mostrar a romaria de forma mais clássica, mas sob esse olhar que foge do lugar comum, fazendo enquadramentos originais, botando pessoas desfocadas na frente, cortando pessoas, trabalhando muito a luz como ele sempre faz, pegando mais o cotidiano das pessoas ali naquele lugar, de forma poética e original. Acho que o resultado ficou muito bom”.


O projeto 16 Ensaios Baianos foi concebido para apresentar o trabalho de fotógrafos conhecidos e também abrir espaço para quem está começando. O projeto foi iniciado em setembro do ano passado com a exposição Vaqueirama, de Ricardo Prado, que será encerrada no dia 24 de março. “É muito importante a continuidade do projeto com esta segunda exposição, que entrará em cartaz assim que a primeira for desmontada. Começamos com dois fotógrafos já reconhecidos, mas estamos pesquisando para na próxima apresentarmos um trabalho de um profissional que venha se destacando mas não tenha ainda a visibilidade merecida, ” diz Alex. O projeto quer também estimular o mercado, com a venda das fotografias revertida principalmente para o artista.


Para Célia Aguiar, que conhece e admira o trabalho do fotógrafo, especialmente pela sua trajetória de vida, mergulhar no universo de Bom Jesus da Lapa pelo olhar de João Machado foi uma tarefa muito prazerosa. “Ela me levou a conhecer não apenas o fotógrafo, mas o ser humano, simples, afetuoso e forte como um bom sertanejo. O universo fotográfico de João Machado desenvolvido a partir de suas memórias e elucubrações, na ausência de seus pais quando iam para a romaria de Bom Jesus, revela a busca e o resgate do percurso desenvolvido por eles, num cenário impregnado de fé, esperança e desapego. São cenas nunca vistas pelos meus olhos, de paisagens de dentro e de fora, sobretudo, com uma luz tão particular e poética”.


Paulo Coqueiro chama a atenção para o detalhe de que os dois primeiros ensaios do projeto são de imagens do interior da Bahia. “Ambos deslocam nosso olhar para um Brasil profundo que coexiste com a tendência de uniformização dos lugares. O percurso pelo sertão adentro também funciona como um contraponto à Bahia amplamente fotografada do litoral e do Recôncavo. A continuidade dessa pesquisa traz a responsabilidade de identificar trabalhos e artistas que apresentem essa diversidade e que promovam novas experiências de visualidade”.


A perspectiva é avançar. “A equipe dos 16 Ensaios tem interesse em ampliar a cada nova exposição formas distintas de expressão com a fotografia, a partir do vínculo estabelecido com a nossa terra. A ideia é constituir, gradativamente, um painel abrangente, atual e de temática diversa, proporcionando visibilidade aos realizadores. O catálogo de Herança do Pai, o número dois da coleção, após Vaqueirama, de Ricardo Prado, será lançado a partir do final de abril”.


Sobre João Machado


A fotografia documental de João Machado começou a ganhar mais visibilidade na Copa de 2014. Seu registro de uma partida de futebol de várzea em Bom Jesus da Lapa foi parar na capa do jornal The Washington Post, em matéria assinada pelo então correspondente Dom Phillips. A originalidade e o rigor técnico das suas fotos chamaram a atenção da Nikon, que o convidou para uma exposição na Galeria Nikon, em São Paulo, e em seguida para a campanha “Eu sou a diferença no olhar”, de lançamento de um novo modelo de câmera. É o único fotógrafo brasileiro que participou de uma campanha publicitária da empresa japonesa.


João Machado nasceu e viveu a primeira infância na roça, numa casa de taipa de uma ilha no Rio São Francisco, próximo ao povoado de Marrecas, distrito de Xique-Xique, a 588 quilômetros de Salvador. Aos seis anos, foi com os pais e cinco irmãos para a cidade, onde ajudava o pai, que se tornou feirante, nas feiras de Xique-Xique, e nas cidades vizinhas de Central e Jussara. Quando completou 19 anos, João foi incentivado pelo pai a ir tentar a sorte em São Paulo, seguindo os passos da irmã, que já estava lá. Ficou cinco meses desempregado, mas conseguiu, finalmente, um trabalho como ajudante de pedreiro. Foi na obra que a fotografia entrou em sua vida, quando comprou de um colega uma máquina usada. Só depois descobriu que o equipamento estava com defeito. Perdeu o primeiro filme, totalmente velado, consertou a máquina e na segunda tentativa cortou as cabeças de todos do time de futebol dos amigos. Não conhecia ainda o erro de paralaxe das câmeras de então.


Com a ajuda do técnico que consertou a sua máquina, passou a praticar na base de tentativa e erro. Entrou num curso preparatório de uma empresa de fotografia de eventos e foi admitido. Em seguida, trabalhou como fotojornalista e prosseguiu como autodidata, aprendendo com os ensaios da revista Iris Foto. Hoje, João devolve esse aprendizado em cursos de fotografia avançada, que sempre têm fila de espera. “Era muito apegado ao meu pai, desde cedo. Todo canto que ele ia, me levava. Só nunca fui para a Lapa, ficava esperando com meus irmãos, ele não tinha condições de levar, só iam ele e nossa mãe, a gente ficava, os mais velhos, cuidando dos mais novos”, lembra.


Em agosto de 2002, teve cancelada uma cobertura que ia fazer justamente numa festa de romaria em São Paulo. Foi então que João resolveu finalmente ir à Lapa. “Meu pai já não ia mais, ele fez a viagem por 37 anos seguidos, a primeira montado a cavalo, com meu avô. De alguma forma tento até hoje fazer a foto dele. Alguns personagens que fotografo me remetem muito a ele. Eu fico perguntando o que estaria fazendo ali naquele lugar, naquela hora do dia, com aquelas pessoas”, revela João, que sempre se emociona quando fala do pai. “Nunca soube das promessas dele, teve um ano que fiquei muito doente, quando peguei uma pneumonia. Acho que naquele ano fui uma destas promessas. ”


A romaria


Descrita e denominada de Meca do Sertão por Euclides da Cunha, no livro Os Sertões, Bom Jesus da Lapa recebe a mais antiga romaria do Brasil. Com mais de três séculos de história, a Lapa é um dos três mais importantes destinos de fiéis católicos do país, ao lado de Nossa Senhora Aparecida, em São Paulo, e do Padre Cícero, no Ceará. Para a gruta sagrada, sob um maciço de calcário de 90 metros de altura, peregrinam milhares de fiéis com suas súplicas, agradecimentos, louvores e promessas a pagar.


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