Há cerca de 30 anos, era comum observar, durante uma caminhada matutina, as pessoas varrendo os passeios em frente às suas residências. O lixo era coletado e colocado em lixeiras ou sacos fechados para que não caíssem nos bueiros, evitava-se assim o entupimento e suas consequências. As pessoas também se cumprimentavam mais. Eram os costumes de uma época em que a relação dos cidadãos entre si e com o meio obedecia outras regras, com outro senso de responsabilidade.
Ao passo que evoluímos em muitos aspectos, acabamos perdendo em outros. Um deles trata-se desse relacionamento amistoso e cidadão com o espaço público, nele, as calçadas - os primeiros degraus da mobilidade urbana. Entender os passeios como parte da nossa casa já esteve incorporado à nossa postura frente à cidade. E não é um costume novo. No ano 45 a.C., os romanos já se responsabilizavam pela pavimentação e limpeza das calçadas em frente a suas residências – obrigação registrada na Lex Julia Municipalis.
A partir do crescimento populacional e da expansão da ocupação humana, que ampliaram as distâncias a serem percorridas, associadas à geração de conhecimento e tecnologia, que trouxeram as soluções para diminuir o tempo e o esforço físico necessários até então para vencer esses percursos, chegamos à realidade que vivemos hoje. Os veículos automotivos acabaram assumindo um papel importante no “modus operandi” da engrenagem da nossa sociedade. E, encarados como fundamentais para o desenvolvimento econômico, passaram a ser a primeira opção de transporte, mesmo em curtas distâncias. Ao se encapsular para fazer seus trajetos, o homem foi perdendo o contato com sua cidade e, consequentemente, a sensação de pertencer àquele espaço e entendê-lo também como seu foi se apagando. E, assim criou-se uma cultura preocupada apenas da porta para dentro.
Esse modelo de motorização excessiva tem sido revisto em muitos países com resultados positivos, como em Nova Iorque, Londres, Bogotá, entre outras cidades. O incentivo ao uso do transporte público, bicicletas ou caminhadas mostra impactos no bem estar e na saúde das pessoas, bem como em aspectos econômicos, como por exemplo o incremento nos negócios e a valorização imobiliária a partir da revitalização urbana, através da maior circulação de pessoas nessas áreas. São essas fórmulas relativamente simples de pensar que podem fazer uma revolução nos modos de ir e vir no ambiente urbano.
O Programa Eu Curto Meu Passeio, implantado em Salvador desde janeiro deste ano, nasceu do desejo de resgatar esse relacionamento cordial entre os cidadãos que aqui vivem e a nossa cidade. É uma ideia que une a melhoria de condições de deslocamento a um contingente expressivo de pessoas que fazem suas viagens cotidianas a pé e a adaptação da cidade aos padrões técnicos de acessibilidade, promovendo a inclusão. Mais que isso, busca atrair as pessoas a ocuparem esses espaços seja para um passeio, uma caminhada, ir as compras, levar os filhos à escolha, chegar mais fácil ao ponto de ônibus, entre outras práticas.
A mobilidade não motorizada exige passeios em bom estado de conservação, para diminuir riscos de quedas, em largura adequada, para estarem acessíveis a portadores de deficiência, e com trajetos contínuos – o que demanda ações integradas com outros órgãos municipais, como a Transalvador, nos estudos de engenharia de tráfego, que complementarão esse trabalho com a colocação de faixas de pedestres, com a consequente definição dos locais onde deverão ser instaladas as rampas de acesso ao pedestre. O programa prevê o investimento municipal, que já está sendo feito com a recuperação de passeios em áreas públicas, com aporte inicial de R$ 20 milhões – considerado o maior valor destinado no Brasil a esse objetivo. Já as calçadas defronte aos imóveis particulares são responsabilidade dos proprietários, conforme determina o Código de Polícia Administrativa de Salvador (Lei 5.503/99).
Até o momento, já foram recuperados pela Prefeitura mais de 5.100 metros lineares de calçadas. De outro lado, a população da nossa cidade, abraçando o programa já recuperou 15 mil metros, o que contribuirá de forma significativa para a melhoria da qualidade de vida dos nossos cidadãos, além de ter se transformado num novo polo gerador de empregos e renda, para a construção civil.
A postura pró-pedestre adotada pela atual gestão municipal aos poucos vai mudando a cara de Salvador, para uma cidade mais humana, bonita e atrativa para seu cidadão. É o primeiro passo, que, inovador, naturalmente encontra dificuldades, resistência, erros, mas é uma realidade que se constrói a cada dia. Claro que o que vemos agora é pouco diante do tamanho do desafio de transformação, que não é apenas física, mas depende também de uma nova maneira de cada um olhar para fora de sua casa e assumir os ônus e bônus de cuidar de um lugar que é todo nosso. De construir, pela prática cotidiana da cidadania, a Salvador dos nossos sonhos.
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