A
saúde pública clama por ações que reduzam o avanço da epidemia de
obesidade hoje vivenciada no Brasil.
Ações que devem ser implementadas em todas as camadas da sociedade,
desde a criação de políticas públicas focadas na reeducação alimentar
das crianças e da população adulta, passando pelos acordos
intersetoriais das indústrias de alimentos para a redução do
teor de açúcar dos alimentos, chegando até à mesa dos consumidores, que
devem se reeducar e não utilizar o "açúcar de mesa" de maneira
indiscriminada.
Ações de
reeducação do paladar
devem ser implementadas, desde ensinar as crianças que o consumo do
suco de laranja deve ser sem açúcar,
passando pela redução paulatina do teor de açúcar dos alimentos
industrializados, até reeducar o paladar de pessoas idosas a consumir o
tradicional cafezinho com menos açúcar!
O consumo de açúcar está associado com a incidência de obesidade e de doenças crônicas não transmissíveis. Mais correto seria
dizer que o consumo excessivo de açúcar está associado com diversos malefícios à saúde.
Atualmente,
a saúde da população está sendo impactada negativamente pelo consumo de
açúcar em excesso, desenhando um cenário
de obesidade e de doenças crônicas não transmissíveis já observadas na
infância. Alimentos com muito açúcar adicionado condicionam o consumo
excessivo de açúcar pela população.
O açúcar por si só não é vilão. O "açúcar de mesa" ou a sacarose é um carboidrato que fornece energia para o organismo e cada
grama de açúcar tem 4 calorias.
Assim
como a frutose que é o açúcar das frutas e a lactose que é o açúcar do
leite, a sacarose é o açúcar que naturalmente ocorre
na cana de açúcar e seu uso ocorre após sua extração e concentração,
sendo apresentada como um pó granulado branco. Dentro deste contexto,
temos a frutose e a lactose ocorrendo naturalmente nas frutas e no leite
respectivamente, fornecendo o paladar doce a
estes alimentos conforme a natureza determinou. Com a sacarose temos um
cenário diferente: como foi extraída e concentrada a partir da cana de
açúcar, a sacarose passa a ser o "açúcar de adição" ou o "açúcar de
mesa", utilizado de acordo com o paladar de quem
está consumindo. Ou seja, o consumidor tem o "poder" de adoçar o café, o
suco, as preparações culinárias de acordo com o seu paladar. E é aí que
mora o perigo.
Importante
pontuar que o açúcar, o doce e o paladar doce fazem parte da
alimentação, da cultura e da memória afetiva das pessoas.
As
memórias afetivas do paladar doce têm início na amamentação, onde o
leite materno é o primeiro alimento consumido pelo ser
humano e tem paladar doce, assim como a maioria dos alimentos
encontrados na natureza, como frutas, tubérculos e hortaliças. Desde
cedo as papilas gustativas do ser humano estão aptas ao paladar doce,
sendo os demais aprimorados com o tempo. As memórias afetivas
do paladar doce não se encerram com o fim da amamentação, estão também
no bolo de chocolate da mamãe, no doce de abóbora preparado pela vovó,
no cafezinho com bolo de fubá servido na visita à casa de um amigo...
Sendo assim, dentro de um hábito alimentar balanceado e equilibrado o açúcar tem vez! E de vilão, pode se tornar herói, quando
uma memória afetiva é acionada por conta do paladar doce, trazendo conforto emocional, mediado por hormônios.
Culturalmente,
o brasileiro tem o açúcar enraizado em sua culinária, por conta da
economia açucareira no Brasil Colonial. O
paladar do brasileiro foi desde cedo acostumado ao sabor doce intenso. A
expressão "mamão com açúcar" pode ter origem no costume de se adicionar
açúcar (sacarose) às frutas, que já têm o paladar doce naturalmente.
Todos
os alimentos introduzidos na alimentação das pessoas são moldados de
acordo com o paladar das pessoas, assim como os alimentos
industrializados, que são formulados de acordo com a aceitação do
paladar da maioria dos consumidores. Alimentos com paladar bem doce são
facilmente aceitos pelos consumidores brasileiros.
As
reduções nos teores de açúcar dos alimentos industrializados, por
exemplo, não devem afetar drasticamente o paladar dos produtos,
criando barreira ou recusa no consumo. A reeducação do paladar passa
por um processo de adaptação e as reduções nos teores de açúcar devem
ser paulatinas, pois pouco efetivo seria reduzir o teor de açúcar de um
iogurte se em casa o consumidor adiciona a quantidade
de açúcar que desejar.
Portanto, é preciso reeducar o paladar dos brasileiros, para que a redução no consumo de açúcar seja de fato eficaz dentro do
contexto de ações para o enfrentamento da epidemia de obesidade.
ANA PAULA WOLF TASCA DEL'ARCO
Nutricionista CRN-3 18223
Doutoranda pelo Dpto. Pediatria da UNIFESP; Mestre em Ciência dos Alimentos pela UNESP e Nutricionista. Sócio proprietária da
Capitão Pão Consultoria em Nutrição. Atualmente é membro da Câmara Técnica do Conselho Regional de Nutricionistas 3ª região
e Consultora da Associação Brasileira de Laticínios - Viva Lácteos.
Pesquisadora e Gerente em Saúde e Nutrição na Danone Brasil
(2008-2014); Coordenadora da Força Tarefa de Alimentos Funcionais do
ILSI Brasil (International
Life Sciences Institute) (2008-2010).
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