Criar nos
vazios da memória afrodiaspórica. Esta é o convite de QUASEIILHAS ao
espectador, primeira obra cênica brasileira integralmente em Yorùba (um
dos idiomas africanos) com concepção, direção e oríkì’s de Diego
Pinheiro (A Bunda de Simone, Oroboro e Arbítrio). O Mercado Iaô, no bairro da Ribeira, receberá a obra de 10 de abril a 04 de maio -
quarta, às 20h, e quinta a sábado, às 19h
Nessa busca
de estabelecer e renovar conexões em mergulhos profundos, essas
memórias que parecem isoladas em uma ilha estão conectadas por algo
invisível. “Em QUASEILHAS buscamos presentificar a ancestralidade que
está no DNA do povo preto. No filme Filhas da Poeira, de Julie Dash, tem uma frase que exemplifica nosso objetivo: ‘O antepassado e o útero são a mesma coisa’”, explica Pinheiro.
Útero
atlântico repleto de correntezas e de lacunas a respeito da memória
afrodiaspórica. Vazios criados no processo escravagista e
pós-escravagista, que tirou do povo afro-brasileiro o direito de
construir de maneira
positiva suas árvores genealógicas e suas memórias ao longo desses
quatro séculos de diáspora.
Na busca por preenchê-los, Diego Pinheiro escreveu Oríkì’s,
literatura oral dos povos yorùbá’s que, a partir de suas vibrações
melódicas, criam linhas de acesso aos
vazios da memória. O ponto de partida para composição são as memórias
familiares do autor vividas em Alagados de Itapagipe, península
soteropolitana do povo Ijexá.
Estas memórias familiares também foram conexão e ferramenta de performatividade dos alárìnjó’s
Laís
Machado, Diego Alcantara e Nefertiti Altan. O termo alárìnjós foi
adotado na intenção de criar um amálgama performativo, e não-ocidental,
entre o ator, dançarino e cantor, uma referência a teatralidade
nigeriana.
A
performantividade desta península itapagipana e negra que é QUASEILHAS
inspira-se na teatralidade yorùbá, por meio dos alárìnjó’s, arte que
reverencia os ancestrais e data do século XVII, sempre envolvendo o uso
de máscaras, a manipulação de instrumentos musicais, virtuose física e a
circulação pelos territórios, para contar histórias e nasce do culto
aos Egunguns.
O
espetáculo é a primeira obra cênica autoral brasileira integralmente em
yorùbá, por meio da literatura do oríkì, gênero que se faz vivo quando
declamado ou cantado. QUASEILHAS é a realização da Plataforma Araká,
rede de conexão para a arte negra contemporânea criada por Diego
Pinheiro e Laís Machado.
Esta
temporada é a segunda da obra e conta com o financiamento do edital
Gregórios 2018, da Fundação Gregório de Mattos, Prefeitura Municipal de
Salvador. Após a primeira temporada que ocorreu em abril de 2018,
QUASEILHAS
participou em agosto do mesmo ano do IC-Encontro de Artes e, em
setembro, do Festival Internacional de Teatro de Belo Horizonte (FIT
BH).
Após assistir a obra cênica, o
renomado cineasta e artista da instalação afro-britânico Isaac Julien
convidou Diego Pinheiro para dirigir uma das performances de seu filme
sobre a arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi; e convidou
a equipe de QUASEILHAS para
residência artística na Atlantic Center for the Arts (Flórida-EUA),
centro de artistas contemporâneos nas áreas de artes visuais, literárias e performáticas.
Em
QUASEILHAS, memória e ancestralidade não são passado e sim presente.
“Isso é fundamental para Plataforma Araká: a tradição e a memória como
algo vivo. Se não existe o que é passado, presente e futuro, tudo pode
ser. A memória não existe enquanto fato, é uma invenção toda vez que
tocamos, é criada toda vez que relembramos”, pontua a alárìnjó.
A busca de
QUASEILHAS pelo preenchimento destes vazios e lacunas é política. Uma
vez que esses espaços vagos existem por conta de uma política eugênica,
de exclusão, que ocorre desde a travessia atlântica e se torna
incisivo após o golpe militar de 1889.
O uso do
oríkì vem para ser uma tentativa de conexão com esses vazios, por meio
dos sentidos, das vibrações melódicas existentes neles, por mais que
sejam cantadas em outra língua.
“O oríkì é uma espécie de identidade em literatura oral que conta a história
de um povo, um acontecimento, uma comunidade, uma pessoa, um ancestral, uma família, etc”, explica Diego Pinheiro
“Se dizia
que um yorùbá ao se apresentar para alguém cantava um oríkì dele ou da
família. No Brasil, o oríkì é mais conhecido pelas músicas das
divindades. Mas, ele ultrapassa isso e existem vários tipos e
classificações.
Em QUASEILHAS a maior parte são de tradição, chamados oríkì-orinlé;
subdivididos entre míticos, geográficos e familiares”, expõe o diretor.
Laís Machado acrescenta que o
oríkì
tem um aspecto místico. “Independentemente da língua que estamos
usando, existem vibrações que são comuns e captadas, que vão ativar
memórias que tem a ver com essa vibração”, pontua.
QUASEILHAS
fala também do povo Ijexá, etnia que a família Araúja de Diego Pinheiro
pertence, que tem uma quizila com o mar, mas foi obrigada a viver em
cima dessas águas paradas. Nas pesquisas, Diego não conseguiu
somente informações a respeito da própria família, mas do movimento da
península de maneira geral.
As
palafitas da península de Itapagipe são QUASEILHAS, as vibrações
melódicas das memórias de Diego Pinheiro, mas as geografias/memórias dos
alárìnjó’s também estão nos espaços de performance.
Ou seja, ao
mesmo tempo que é a memória de Diego Pinheiro, já são as memórias de
Laís Machado, Diego Alcantara e Nefertiti Altan. Ao mesmo tempo que são
as dos alárìnjós e de Diego, já são as dos espectadores. É uma
produção circular de signos. Não é um jogo simbólico onde o público
entende o que se é a coisa, a narrativa, a personagem.
A
circulação dos Alárìnjós – o corpo, a voz e as águas - fabrica o espaço.
Espaço este que ultrapassa a fisicalidade da instalação cenográfica
inspirada nas próprias casas em que o autor, Diego Pinheiro, viveu em
Alagados
de Itapagipe: barracos de estroncas, madeirites e telhas de eternit.
Palafitas da comunidade entre os anos 50 e 90.
São três os
espaços de ação: Camamu-BA, Quebra Machado-BA e Pantaleon (Guatemala).
Cada alárìnjó ocupa um e circulam entre os três, num eterno movimento do
despertar das memórias. O público escolhe um a cada sessão.
A instalação cenográfica tem concepção de Diego Pinheiro e do cenógrafo
Erick Saboya.
A trilha
sonora original é composta por Diego Pinheiro (letras dos oríkì), temas
melódicos criados pelas alárìnjó e arranjos e harmonização são do
maestro Ubiratan Marques, com texturas eletrônicas de André Oliveira
(Ubiratan e André também assumem a direção musical). Nesta segunda
temporada a trilha é executada ao vivo por Sanara Rocha, Mayale Pitanga e
Nai Sena.
O figurino,
maquiagem e cabelos são assinados pela artista Tina Melo. A concepção
de luz é de Luiz Guimarães e a concepção videográfica é de Nina La
Croix, com execução ao vivo feita pela videomaker Ani Haze.
QUASEILHAS
são águas paradas, dispostas e disponíveis para invenção e recriação de
conexões. É água da memória. “Esse mergulho é um convite que o público
aceita ou não”, finaliza Laís Machado.
Pesquisa
A obra
nasce da pesquisa de Diego Pinheiro sobre o Tempo enquanto consciência
da carne, do corpo afro-diaspórico, em qualidade de uma performance que é
lembrança. Um estudo sobre ausências, os vazios da memória.
Nessa busca
por um Não-Tempo, o artista começou a se indagar como performar sobre
as ausências. A reconstrução de uma memória perdida pelos corpos
afro-diaspóricos. QUASEILHAS é um primeiro resultado prático e público
desse trabalho de investigação que já dura mais de três anos.
Subvertendo
a lógica do oríkì, que se atém aos fatos reais, Diego Pinheiro exercita
a substituição do esquecimento pela invenção. Também através do oríkì, o
autor estabelece uma afinidade com o seu passado familiar
e a língua yorùbá, idioma que era falado dentro de sua família há 3
gerações. O idioma era chamado de “trocar língua”.
Serviço
O quê: QUASEILHAS – obra cênica de Diego Pinheiro
Quando: 10 de abril a 04 de maio – quarta, às 20h, e quinta a sábado, às 19h
Onde: Mercado IAÔ -
Praça General Osório, 33, Final de Linha da Ribeira - Ribeira
Ingresso:
www.sympla.com.br
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