Um dos pratos mais tradicionais da culinária baiana, o caruru ganha destaque durante o mês de setembro, especialmente no dia 27, dia de render graças a São Cosme e São Damião, os santos gêmeos muito populares e queridos entre os baianos. Embora na religião católica a data dedicada aos santos seja 26, é no dia 27 que as homenagens tornam-se mais fortes com a incorporação dos festejos dos cultos afro-brasileiros, incorporados pelo sincretismo baiano.
Além de missas e procissões para louvar os santos católicos, que, por terem estudado medicina, são considerados padroeiros dos médicos, farmacêuticos e das faculdades de medicina, o caruru (de origem africana) é a comida oferecida como forma de pagamento das promessas feitas para alcançar graças com a ajuda dos “Santos Meninos”. Como também são considerados protetores das crianças, faz parte das oferendas a distribuição de balas e outros doces que agradam em cheio à meninada.
Venerados na tradição católica como santos adultos que praticaram a medicina, é como “santos meninos” que estão no imaginário popular e são louvados pela maioria dos devotos.
Caruru - O "caruru de São Cosme e Damião" ou “caruru de Cosminho” é normalmente ofertado pelos que tiveram pedidos alcançados com a intercessão dos santos. Não faltam relatos de fé e devoção. Assim como não falta casa em que a iguaria seja servida nesta época, principalmente em Salvador e no Recôncavo. Também não é difícil encontrar quem espera ansioso a chegada do mês de setembro para se deliciar com o caruru dos santos gêmeos. Pode ser para muitos convidados ou apenas para sete meninos, que representam Cosme, Damião e seus irmãos Dou, Alabá, Crispim, Crispiniano e Talabi. Antes do dia 27, no dia ou mesmo depois dessa data, dar o caruru de São Cosme e Damião, como se costuma falar, é uma forma de agradecer aos santos.
Como oferenda, o prato, que tem como base quiabo, azeite de dendê, camarão seco, amendoim e castanha, é preparado de forma especial, entrando, para compor, além de arroz branco, feijão fradinho, feijão preto, vatapá, farofa de dendê e galinha de xinxim, milho branco, pipoca, banana da terra frita, rapadura, abóbora, inhame, cana, ovo em rodelas, acarajé e abará. É o famoso caruru de preceito.
Reza a tradição que, antes de ser servida aos convidados, a iguaria seja oferecida primeiro aos santos. Depois, é a vez dos sete meninos, que se sentam no chão, em volta de uma toalha. O caruru então é colocado em sete pratinhos ou numa única vasilha, onde as crianças comem, sem-cerimônia, com as mãos, enquanto palmas e músicas rendem graças aos donos da festa. Só depois é a vez dos convidados. Também faz parte da tradição colocar sete quiabos inteiros no preparo. Quem for agraciado com um desses quiabos, fica na obrigação de, no ano seguinte, oferecer a iguaria.
São Joaquim – Um dos locais mais procurados para a compra de ingredientes para o caruru é a Feira de São Joaquim, na Cidade Baixa, que, segundo os comerciantes, já experimenta aumento do movimento desde o início do mês e, asseguram, vai ficar mais forte esta semana, com a proximidade da data.
A poucos dias da festa, o quiabo tem preços entre R$ 4 e R$ 5, o cento; camarão-seco, R$ 16 e R$ 25; castanha, R$ 16; amendoim, R$ 3,50 e R$ 5; feijão fradinho, R$ 1, 90 e 2; feijão preto, R$ 4,50; azeite de dendê, R$ 4, coco-seco, R$ 1,90 e R$ 2,50.
Mas, como lembra o comerciante Antônio Izidro, na feira sempre tem uma conversinha, sinalizando que esses preços podem ser pechinchados. Segundo Otávio Vasco, sócio de um boxe que comercializa camarão seco, amendoim, castanha e azeite de dendê, neste período, a demanda cresce em torno de 50%. “A feira tem grande oferta de produtos e preços variados”, diz.
Já adiantando a compra dos ingredientes para o caruru que vão dar no dia 27, as irmãs Rilza Prazeres e Rilzane concordam. “Aqui os preços são mais em conta e encontramos tudo”, diz Rilzane, que vai oferecer o caruru pelo segundo ano. “É uma forma de agradecer a graça alcançada e renovar o pedido”, confessa. Criado no catolicismo, o representante comercial Carlos Neves reforça o sincretismo que envolve o culto aos santos. A devoção é tanta que ele oferece dois carurus: um no último sábado de setembro e outro em julho. “Já obtive muitas graças pedidas a São Cosme e Damião, inclusive com relação a problemas de saúde na família”, revela emocionado.
Programação - Na Paróquia dos Santos Mártires Cosme e Damião, na Liberdade, única em Salvador dedicada aos santos, missas são realizadas durante todo o dia 27 para homenageá-los. O templo fica lotado de fiéis que vão, na maioria, agradecer as graças alcançadas.
O dia festivo já começa com uma alvorada às 5h. Em seguida, acontecem missas às 6h, 7h, 8h30, 10h e 12h. Após uma pausa, as celebrações são retomadas às 14h (um grande louvor aos santos) e 15h30. Às 17h uma procissão segue pelas ruas em direção ao bairro da Lapinha, retornando à igreja, onde, às 18h, é realizada a missa solene de encerramento.
A história - Relatos indicam que São Cosme e São Damião nasceram na Arábia, no século III, de pais ricos e cristãos. Estudaram medicina na Síria, exercendo a profissão na Egéia e Ásia Menor, sem receber nenhum pagamento. Aliado aos conhecimentos médicos, também usavam a palavra de Deus para curar os doentes, divulgando, assim, a fé cristã e convertendo os pagãos. O fato despertou a ira do imperador romano Diocleciano, que os mandou prender. Mesmo forçados a renunciar à sua fé, os dois se mantiveram fiéis, por isso foram mortos.
Muitas versões e lendas cercam a história dos dois santos. Conta-se que várias formas foram utilizadas para matá-los. Por afogamento, queimaduras, a pedradas. Como nada surtiu efeito, foram degolados. No Brasil, a devoção aos santos veio com os portugueses, durante a colonização, sendo aqui associada aos cultos afros.
0 comentários :
Postar um comentário