“Em uma das reuniões, a professora chegou a sugerir que eu deveria ‘exorcizar’ meu filho”, revela Keyla Ferrari, mãe de menino com TOD
Keyla Ferrari é mãe de um menino diagnosticado com Transtorno Opositor Desafiador (TOD) e compartilha seu relato sobre os desafios e aprendizados ao lidar com a condição do filho. Como especialista em educação especial e inclusão, Keyla oferece uma perspectiva única e detalhada sobre a jornada de diagnóstico e tratamento de seu filho.
Descobrindo os Sinais do TOD
Percebi que meu filho mais novo, com cerca de dois anos de idade, começou a apresentar comportamentos diferentes. Nas fotos, ele sempre parecia emburrado, nos almoços em família recusava-se a brincar ou comer, e muitas vezes não conseguíamos entender exatamente o motivo dessa mudança de humor tão repentina. Aos três anos, era comum ser chamada quase diariamente na escola, pois ele agredia uma coleguinha e não obedecia à professora. Em uma das reuniões, a professora chegou a sugerir que eu deveria "exorcizar" meu filho.
Para uma mãe que trabalha com educação especial e inclusão, é extremamente desafiador não compreender o que está acontecendo com seu filho, e a primeira reação é, muitas vezes, se culpar. Eu me questionava: o que estou fazendo de errado? Será que tenho trabalhado demais? Não sou agressiva em casa, então o que pode estar acontecendo?
Tentativas Frustradas e a Busca por Respostas
Foram muitas conversas, tentativas de diálogos lúdicos, castigos, como privá-lo de fazer as coisas que gostava, o que na prática não surtia efeito. As broncas pareciam apenas piorar a situação.
Com o convite para que meu filho se retirasse da primeira escola, dei início a uma intensa jornada de pesquisa sobre seus comportamentos. Como mãe, eu me via constantemente questionando: "Quando bebê, ele alcançou todos os marcos de desenvolvimento normalmente, fez contato visual e demonstrou ser uma criança afetiva e inteligente. Então, o que está acontecendo? Por que tantos rompantes agressivos? Por que ele tem dificuldade em brincar com outras crianças do condomínio?"
O Diagnóstico e a Transformação
Durante um dos momentos mais difíceis da minha vida, quando eu estava lutando contra o câncer e passando por sessões de quimioterapia, recebi uma notícia devastadora: meu filho foi convidado a se retirar da segunda escola, por conta de seu jeito "esquentadinho de ser" e então ele desafiava a professora e agredia verbal e fisicamente vários coleguinhas. Esse acontecimento não apenas abalou a autoestima dele, mas também a minha. Como mãe, me senti impotente e frustrada diante da situação. No entanto, em meio à adversidade, percebi que precisava agir e buscar soluções mais efetivas.
Foi então, quando meu filho completou cinco anos de idade, que finalmente encontrei uma psicóloga competente e uma escola acolhedora. Realizamos uma avaliação neuropsicológica, e os resultados confirmaram o diagnóstico que já suspeitávamos: Transtorno Opositor Desafiador (TOD) e Transtorno do Déficit de Atenção (TDA).
Essa descoberta foi um ponto de virada em nossas vidas. A partir desse momento, começamos a entender melhor as necessidades do meu filho, pois mesmo sendo eu educadora, no papel de mãe meus sentimentos e ações eram emocionais e este diagnóstico nos fez buscar formas de apoiá-lo da melhor maneira possível. Foi um processo longo e desafiador.
Superando os Desafios: Apoio Profissional e Escolar
Felizmente, encontramos apoio e compreensão na psicóloga que nos acompanhou nesse processo. Com suas orientações e estratégias, aprendemos a lidar com os desafios comportamentais e emocionais enfrentados por meu filho. Além disso, a escola foi acolhedora, proporcionou um ambiente inclusivo e empático, onde meu filho pôde se sentir seguro e valorizado.
Recorremos ao apoio de um psiquiatra infantil, embora eu sempre ter sido contra medicação, entendi que naquele momento ele precisava passar por este processo medicamentoso, o que, de fato, melhorou muito a agressividade, com apenas 0,25 de uma dose realmente pequena para o caso dele. Atualmente, ele tem quinze anos, um adolescente estudioso, amoroso, campeão de xadrez nacional e agora está se preparando para competições internacionais.
Dicas Pedagógicas para Pais e Professores
Como mãe e educadora, gostaria de compartilhar minha experiência e oferecer algumas dicas pedagógicas para pais e professores que enfrentam situações semelhantes. Abaixo estão conceitos e estratégias que podem auxiliar no manejo do TOD:
O Que é o Transtorno Opositor Desafiador (TOD)?
O Transtorno Opositor Desafiador (TOD) é caracterizado por um padrão persistente de comportamento desafiador, desobediente e hostil em relação a figuras de autoridade. As crianças com TOD tendem a ser teimosas, argumentativas e propensas a explosões de raiva.
Diferenciando Birra de TOD
Enquanto a birra é um comportamento comum na infância e geralmente ocorre em resposta a frustrações ou necessidades não atendidas, o TOD envolve um padrão persistente de comportamento desafiador e desobediente, que vai além do que é considerado normal para a idade da criança. As explosões de raiva de uma criança com TOD são frequentemente desproporcionais à situação e podem ocorrer com frequência.
Tratamento Multidisciplinar
O tratamento desta condição é multidisciplinar e compõe três abordagens básicas:
Psicoterapia Comportamental: Trabalha com a criança e a família para mudar comportamentos negativos e aumentar comportamentos positivos.
Medicação: Pode ser prescrita para controlar sintomas de TDAH, ansiedade ou depressão que possam estar contribuindo para o comportamento desafiador.
Intervenção e Suporte Escolar: Trabalha com a escola para garantir que as necessidades da criança sejam atendidas e o comportamento seja gerenciado de maneira eficaz.
O Papel do Ambiente Escolar
A escola desempenha um papel fundamental no apoio às crianças com TOD, mas, muitas vezes, enfrentam desafios devido à falta de compreensão e sensibilidade por parte dos professores. É essencial que educadores estejam cientes das características do TOD e sejam capazes de diferenciar entre comportamento desafiador e simples indisciplina.
Dicas Práticas:
Compreenda o Transtorno: Entenda que um comportamento agressivo não é pessoal. É importante compreender as causas subjacentes do TOD, como questões emocionais ou de saúde mental, para lidar com ele de maneira eficaz.
Mantenha uma Comunicação Clara: Certifique-se de que as expectativas e as regras da classe são claras e consistentes para todos os alunos. Reforce as regras todos os dias.
Fique Atento ao Comportamento: Mantenha um registro detalhado do comportamento do aluno, incluindo as situações que desencadeiam o comportamento, ou seja, o antes e depois dos comportamentos desafiadores.
Evite Confrontos: Se possível, evite confrontos diretos com o aluno, pois isso pode agravar a situação. Em vez disso, procure manter a calma e usar técnicas de resolução pacífica de conflitos.
Ofereça Reforços Positivos a Bons Comportamentos: Estabeleça uma recompensa para comportamentos positivos e elogie o aluno quando ele pratica atitudes e comportamentos desejáveis.
Envolva os Pais: Mantenha os pais informados sobre o comportamento do aluno, porém oriente-os da maneira adequada para que eles tenham atitudes firmes sem perder o afeto e a paciência, evitando castigos físicos e, assim, trabalhem juntos para encontrar caminhos pacíficos para os conflitos.
Busque Ajuda: Se o professor sentir que precisa de ajuda para lidar com um aluno com TOD, não deve hesitar em procurar outros colegas professores, coordenação pedagógica, administração escolar e, principalmente, os profissionais da saúde mental.
Foque em Comportamentos Positivos em Vez de Punir Comportamentos Negativos: Faz-se necessário ter uma leitura complexa da criança focando também nas suas qualidades buscando desenvolver mais suas características positivas.
Proporcione Oportunidades para a Criança Participar Ativamente e Sentir-se Bem-sucedida.
Forneça Tempo e Espaço Acolhedor Alternativo: Para a criança se acalmar se necessário.
Seja Flexível e Adapte as Estratégias de Gerenciamento de Comportamento às Necessidades Individuais da Criança.
Ofereça Escolhas e Diferentes Opções para a Criança Participar da Atividade de Acordo com a Forma Como Esta se Sentir Segura e Confortável.
Proporcione Desafios Possíveis de Serem Realizados pela Criança.
Busque Ofertar Jogos, Interações e Atividades que Minimizem Competição e Aumentem a Cooperação e Colaboração entre o Grupo.
Evite Criticar na Presença de Outras Crianças: Evitando assim constrangimento e sofrimento por parte deste educando que, muitas vezes, não consegue controlar a impulsividade.
Importante Evitar Fazer Queixas do Aluno aos Pais em Contextos Inapropriados: Como horários de saída de aula, ao invés disto, buscar uma reunião para uma conversa e orientação, pois os pais também precisam se sentir acolhidos e serem orientados para que não prejudiquem seu filho com atitudes inapropriadas como agressões verbais ou físicas.
Exemplos Práticos no Contexto Educativo:
Solicitar à Criança que Ajude na Distribuição de Materiais para os Colegas: Apagar a lousa, pedir carinhosamente para que ele fique perto da professora dando suporte, ao mesmo tempo em que este possa sentir-se útil, prestativo e com empoderamento positivo, assim eventuais estigmas criados entre os colegas podem ser sanados em sala de aula.
Buscar Dar Destaque às Regras Sempre Mostrando Escrita na Lousa, com Ilustrações para Crianças Pequenas.
Atividades Criativas como Dramatizações, Pinturas e Colagem Relacionadas ao Conteúdo Estudado: Proporcionam liberdade de expressão, e o educando com TOD poderá sentir-se confortável, expressando-se livremente dentro de um tema dirigido.
Os Jogos Cooperativos Podem Auxiliar: Entretanto faz-se necessário ao educador observar que a criança /educando com TOD formem pares ou grupos com colegas de maior afinidade, neste caso, o professor pode interferir e mediar para que as parcerias aconteçam da melhor maneira possível.
O TDAH e o TOD Associados:
É importante notar que, muitas vezes, o TOD está associado ao Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). As crianças com ambos os transtornos podem apresentar desafios adicionais devido à impulsividade e falta de atenção. Portanto, abordagens integradas que levem em consideração ambas as condições são essenciais para fornecer o suporte adequado.
Enfrentar o Transtorno Opositor Desafiador na primeira infância pode ser uma jornada desafiadora, mas, com compreensão, empatia e apoio adequado, podemos ajudar essas crianças a alcançar seu pleno potencial. Destaco a importância de se criar ambientes escolares inclusivos e acolhedores, onde todas as crianças, independentemente de seus desafios, possam desenvolver ao máximo suas potencialidades.
Sobre Keyla Ferrari Lopes:
Keyla Ferrari Lopes é docente universitária, intérprete de Libras, palestrante internacional e autora. Fundadora da Cia de Dança Humaniza, dedica sua vida à inclusão social através da dança e da arte. Com diversas publicações e prêmios, Keyla é uma referência na educação especial e na promoção da inclusão artística.
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