Fenômeno dos bebês reborn levanta debate sobre o papel do Direito na sociedade de hiperconsumo
O Direito, que tradicionalmente regula relações humanas e patrimoniais, agora é instado a refletir sobre comportamentos que, embora pautados em sentimentos genuínos, envolvem coisas e não entes jurídicos. Ainda não há respostas claras, diz especialista
A sociedade contemporânea tem experimentado um processo intenso de individualização e consumo, impulsionado pelo avanço tecnológico e pela variedade cada vez maior de produtos. Esse movimento, classificado por Gilles Lipovetsky como “sociedade de hiperconsumo”, associa o ato de adquirir bens ao ideal de felicidade e plenitude pessoal. “Vivemos um tempo em que o ter e o querer se confundem com o ser. A felicidade parece ter se transformado em um produto que se compra, se consome e se descarta rapidamente”, analisa o advogado Antonio Gonçalves, pós-doutor em ciências jurídicas.
Essa busca incessante por satisfação criou fenômenos curiosos, como a popularização dos bebês reborn – bonecas hiper-realistas encomendadas com características personalizadas, que se transformam, para muitos, em verdadeiros entes familiares. “O bebê reborn é um produto que alia sentimento, pertencimento e felicidade, preenchendo uma lacuna emocional construída pela própria lógica do hiperconsumo”, observa Gonçalves. A experiência de cuidar desses bonecos extrapola o simples ato lúdico, gerando práticas cotidianas como passeios, batismos e até disputas pela guarda.
O avanço desse fenômeno já começa a desafiar as fronteiras do Direito. Casos de separações conjugais com disputa pela guarda do bebê reborn, tentativas de matrícula em escolas e até justificativas de faltas ao trabalho com base em cuidados com o boneco têm se multiplicado. “O Direito, que tradicionalmente regula relações humanas e patrimoniais, agora é instado a refletir sobre comportamentos que, embora pautados em sentimentos genuínos, envolvem coisas e não entes jurídicos. Ainda não há respostas claras”, pondera Gonçalves.
No Brasil, o debate também se intensifica. Perguntas sobre a possibilidade de incluir um bebê reborn em testamentos, ou sobre a legitimidade de ações judiciais envolvendo esses bonecos, mostram que a sociedade de 2025 está diante de novos dilemas éticos e jurídicos. “A sociedade líquida de hiperconsumo desafia a todos nós: como garantir direitos e respeitar sentimentos, sem perder de vista os limites legais e a segurança jurídica? Este é um dos grandes desafios que o Judiciário e a sociedade terão que enfrentar”, conclui Gonçalves.
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