Para fazer valer o direito fundamental do ser humano à saúde, em setembro de 1990 foi aprovada no Congresso Nacional a Lei 8080, que instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. A legislação, que neste mês completou 30 anos, regula as ações executadas por entidades públicas ou privadas em todo o território nacional, abrangendo desde o simples atendimento para avaliação da pressão arterial até os mais complexos procedimentos, como o transplante de órgãos.
Ao longo dessas três décadas, o SUS tem sido reconhecido por ser o maior sistema de acesso universal ao tratamento gratuito da saúde do mundo e por diversos feitos notáveis: suas políticas ampliaram o acesso ao pré-natal, diminuíram consideravelmente a taxa de mortalidade infantil, aprimoraram os tratamentos voltados à saúde mental, permitiram ações de combate e prevenção a doenças graves (como a Dengue), e contribuíram com o aumento da expectativa de vida do brasileiro.
Hoje, com a pandemia de Covid-19, o SUS tem – mais do que nunca - demonstrado o seu tamanho em valor e importância. Segundo o Ministério da Saúde, o sistema atende cerca de 70% da população e, por meio do governo federal, estados e municípios, tem dado assistência aos pacientes infectados e garantido a manutenção do atendimento daqueles que necessitam de tratamentos especializados – algo que o sistema privado muito provavelmente não conseguiria prover.
No entanto, além de um bem público que deve ser protegido e valorizado, o SUS precisa ser corrigido em suas deficiências. E isso tem que ocorrer especialmente neste momento em que passaremos a ver um número cada vez maior de brasileiros deixar o sistema suplementar para recorrer ao sistema público em razão das dificuldades econômicas geradas pela pandemia. De março a julho, 327 mil usuários abriram mão de seu plano de saúde, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar.
Entre as principais falhas a serem consideradas estão as estruturais que, na maior parte das vezes, impedem que profissionais e unidades de saúde prestem um atendimento mais adequado e humano aos seus pacientes, uma vez que precisam racionar insumos, equipamentos e leitos para um volume de pessoas que vai muito além do que sua capacidade comporta. Não há dúvidas de que esses problemas estão diretamente ligados ao financiamento insuficiente e ineficaz do SUS.
Há anos os investimentos públicos no sistema – nas três esferas de governo – não condizem com sua necessidade e com sua importância para o País. O montante destinado serve, quando muito, para cobrir despesas de manutenção, sem qualquer margem para investimentos e inovações. Além disso, vale ressaltar, de todos os países que adotaram um sistema universal de saúde, o Brasil está sempre entre os que menos investem.
Como se não bastassem o subfinanciamento histórico, as crescentes restrições orçamentárias (como o teto de gastos) e um investimento muito aquém do mínimo necessário, não é novidade que boa parte dos recursos destinados aos sistema vem sendo – ao longo dos anos – desperdiçada, seja pelas manobras de corrupção, pelo superfaturamento ou pelo uso inadequado dos medicamentos e insumos. É inadmissível que o SUS continue sendo vitimado por esse processo.
Com o cenário agravado em meio à maior crise sanitária dos últimos cem anos, está mais do que na hora do Sistema Único de Saúde receber atenção e alicerces proporcionais à sua grandeza e relevância para a vida de milhões de brasileiros. É preciso que nossas autoridades, em todas as instâncias, tenham um olhar mais responsável e comprometido com o SUS, que revejam os investimentos para garantir acesso universal a uma saúde de qualidade para todos.
É fato que a pandemia expôs, ainda mais, as fragilidades e desigualdades desse País de proporções continentais. Mas também sabemos que, assim como em nossa vida pessoal, é justamente na hora de crise que somos instigados a refletir sobre o que tem real valor e merecer ser mais bem cuidado, ainda que para isso seja necessário encarar grandes desafios. Levando essa máxima para o setor público, esse é o momento de estimular todos os brasileiros a defenderem o SUS e buscarem o seu fortalecimento. Uma mudança, ainda que tardia, vale mais do que mudança alguma.
*Por Raul Canal, advogado, presidente da Anadem (Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética) e autor das obras "O pensamento jurisprudencial brasileiro no terceiro milênio sobre erro médico" e "Erro médico e judicialização da medicina"
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