Especialista explica que fofoca digital entre adolescentes pode virar caso judicial.
Advogada explica consequências legais da exposição de colegas em grupos de WhatsApp, perfis de Instagram e fóruns virtuais.
Com 93% das crianças e adolescentes de 9 a 17 anos conectados à internet no Brasil, e 81% deles já com celular próprio, segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024, realizada em uma parceria entre UNESCO, Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR e o Comitê Gestor da Internet do Brasil, a presença digital dessa faixa etária é ampla e crescente. Nesse cenário, a criação de perfis e fóruns digitais voltados exclusivamente para “fofocar” sobre colegas de escola, professores ou conhecidos tem se tornado uma prática comum entre adolescentes.
Com nomes sugestivos e finalidade explícita de expor a vida alheia, esses espaços online funcionam como vitrines para boatos, comentários maliciosos, segredos revelados sem consentimento e julgamentos públicos. Para a advogada Alessandra Tanure, especialista em Direito Digital no âmbito de proteção de direitos de personalidade de crianças e adolescentes, o comportamento é grave e pode gerar consequências jurídicas concretas.
“Esses ambientes virtuais são criados com o propósito específico de divulgar informações sobre terceiros, muitas vezes de forma anônima e sem o menor critério ético ou legal. Mesmo quando os conteúdos desaparecem após 24 horas, como acontece nos stories do Instagram, o dano já está feito. A simples exposição sem consentimento já pode configurar violação de direitos de personalidade e, quando há ofensa direta, entramos no campo da calúnia, injúria ou difamação”, explica a advogada. Vale ressaltar que comentários feitos em fotos postadas também possuem o mesmo potencial de atingir a reputação de alguém, disseminar informações falsas e causar danos morais e psicológicos.
Alessandra explica que os adolescentes que administram ou participam ativamente desses grupos e perfis respondem por suas ações, ainda que sejam menores de idade. “É comum vermos perfis que usam o anonimato para se proteger, mas basta um print e uma denúncia da vítima para iniciar o processo de investigação para identificar os envolvidos. E quando os autores são menores, os pais podem ser responsabilizados civilmente, sobretudo se houver omissão na vigilância do uso das redes sociais”, afirma.
Além dos riscos legais, a especialista aponta os impactos emocionais causados pelas postagens, que muitas vezes expõem alunos a situações de humilhação, isolamento e sofrimento psicológico. “Não se trata de uma brincadeira inofensiva. Trata-se da construção de um ambiente de exclusão e violência simbólica. E isso exige uma resposta educativa e jurídica urgente”, completa. Segundo ela, escolas também devem participar desse processo de conscientização, promovendo debates e ações preventivas sobre o uso responsável das tecnologias e ambientes virtuais.
“Educar para o digital é dever de todos: pais, responsáveis e instituições. Fofoca, quando se torna conteúdo de um perfil público ou grupo virtual, não é apenas ‘conversa de criança’. É um ato que pode marcar a vida de alguém e que, juridicamente, pode ensejar reparações”, conclui Alessandra.
Advogada Alessandra Tanure
Advogada, palestrante e professora, Alessandra Tanure é mestre em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), com especialização em Direito Digital voltada à proteção dos direitos de personalidade de crianças e adolescentes. É também pós-graduada em Direito Constitucional, membro da OAB/BA e atua em comissões voltadas à defesa dos direitos da criança e do adolescente. Integrante de grupos de pesquisa em Direito Privado e Democracia Constitucional, dedica sua trajetória acadêmica e profissional à promoção de ambientes digitais mais seguros para o público infantojuvenil.
Foto: Freepik
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